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Tradução de Página

Com a criação deste blogue, o autor visou proporcionar um modesto contributo na busca da melhor resposta a várias questões jurídicas controversas.

A descrição, em traços gerais, dos temas abordados, não pretende ser exaustiva, nem dispensa a consulta de um Advogado.

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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Outra vez os petardos!

 

Fonte: Google Imagens


1 – Introdução

    Quando nos reportamos a petardos, referimo-nos a objectos semelhantes a bombas de carnaval, mas ligeiramente maiores e com uma composição pirotécnica mais elevada, concebidos para produzir um efeito sonoro (tiro).

    Não há dúvidas de que, devido à intensidade acústica, o rebentamento de petardos junto das pessoas é prejudicial, podendo causar lesões irreversíveis nas estruturas do ouvido interno.

    A deflagração em zonas habitacionais é também susceptível de causar alarme e inquietação, e de perturbar a tranquilidade, a paz e o descanso de quem ali habita, com os efeitos sociais e comportamentais cognoscíveis da exposição ao ruído. [1]

[1De onde destacamos, et. al., distúrbios de sono, stresse, alterações de humor, irritabilidade, aumento da frequência cardíaca, falta de concentração e diminuição do desempenho cognitivo, dor de cabeça, fadiga… De destacar também a afectação negativa destes rebentamentos em grupos de seres humanos que carecem de necessidades especiais, v. g., pessoas com transtorno do espectro do autismo, com epilepsia, e até crianças e idosos.

    Mas os efeitos não se ficam pelo ser humano. Quem possui animais de companhia (sobretudo cães e gatos) reconhece, com certeza, após o rebentamento de um petardo nas proximidades, as suas respostas fisiológicas de stresse agudo.

    Isso sucede porque, como sabemos, em relação aos seres humanos, estes animais possuem uma capacidade auditiva superior, sendo que qualquer som ou ruído acima de 50/60 decibéis pode causar-lhes stresse físico e psicológico, e, além do dobro desse valor, perdas auditivas irreparáveis. [2]
 
[2] A destacar também o impacto que os rebentamentos têm na fauna selvagem, sendo relatados casos de morte súbita de aves e até de mamíferos, e atropelamento de animais em fuga. 

 

2 – Involução legislativa no último decénio

    Antes da entrada em vigor da Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho – diploma que procedeu à quinta alteração da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (e que aprovou o novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições, doravante apenas RJAM) –, o RJAM não fazia qualquer referência expressa a artigos de pirotecnia (onde se incluem os petardos).

    Ainda assim, havia autores – onde me incluo – que entendiam que os petardos, pelas suas características, se podiam incluir na noção de “explosivo civil”, e, consequentemente, a sua posse e/ou uso não autorizados, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, seria susceptível de se subsumir no tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. no art.º 86.º n.º 1 al.ª a), do RJAM. [3]

[3] A este propósito, vide o nosso artigo denominado: "Polícia quer Criminalizar Petardos". Também o Acórdão do TRP, de 12/10/2011, proc. 341/10.9SMPRT.P1, rel. Ricardo Costa e Silva, acedido e consultado aqui em 26/12/2022.

    Com a entrada em vigor da Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho, o art.º 86.º n.º 1 al.ª d), do RJAM, passou a prever e a estatuir o seguinte:

1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) (…) artigos de pirotecnia, excepto os fogos-de-artifício de categoria 1 (…),é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias; 
(…)”. [4[5[6]

[4Sublinhado nosso.
[5] Com a Lei n.º 50/2013, de 24 de Julho, foi introduzida, também no RJAM, mais precisamente no seu art.º 2.º n.º 5 al.ª af), a definição de “artigo de pirotecnia”, como sendo “qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reacções químicas exotérmicas autossustentadas”.
[6] O “fogo-de-artifício de categoria 1”, na definição introduzida pelo art.º 2.º n.º 5 al.ª af), do RJAM, é “o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais” (sublinhado nosso). Perante as particularidades que realçamos, claramente excluíamos os petardos do conceito de “fogo-de-artifício de categoria 1”.

    Assim, a partir daquele momento, a posse e/ou uso de artigos de pirotecnia (incluindo, claro está, os petardos) passou a preencher, expressamente, o tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al.ª d), do RJAM.

    Com a entrada em vigor da Lei n.º 50/2019, de 24 de Julho – diploma que procedeu à sexta alteração do RJAM –, este art.º 86.º n.º 1 al.ª d) passou a abranger o seguinte:

(…)
d) (…) artigos de pirotecnia, excepto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho (…), é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
(…)”. (Sublinhado nosso)

    Este diploma introduziu também, no art.º 2.º n.º 5 al.ª ag) do RJAM, a definição de “fogo-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho”, como sendo:

o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais”. [7]

[7] Curiosamente, esta noção do RJAM coincide, ipsis litteris, com a definição de fogos-de-artifício da categoria F1, contida no referido art.º 6.º n.º 1 al.ª a) i) do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho, sendo que, de acordo com este mesmo art.º (e diversamente do que dispõe a definição do RJAM):

● Os fogos-de-artifício das categorias F2 e F3 não se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;
 Os fogos-de-artifício da categoria F3 não apresentam um risco baixo, mas médio, e destinam-se a ser utilizados em grandes áreas exteriores abertas, não em áreas confinadas e muito menos no interior de edifícios residenciais.

    Então, será que a partir desse momento a posse e/ou uso de “fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho”, passou a ser totalmente livre?

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3 – Regime Jurídico Actual

    Para respondermos à questão anterior, atentemos no seguinte caso ficcionado (que bem podia ser real):

    Entusiasmado com o avizinhamento das festividades, o João, um jovem com 16 anos de idade, adquiriu uma caixa de petardos numa loja online. Os mesmos possuíam uma marcação «CE» e a classificação «F2». Num Sábado à tarde, colocou alguns nos bolsos e decidiu rebentá-los junto aos prédios dos seus vizinhos. Logo após os primeiros rebentamentos, alguns deles, descontentes, telefonaram para a polícia. Breves minutos depois, o João foi surpreendido, por dois agentes de autoridade, ainda na posse de quatro petardos. Quid Juris?

    O facto de a utilização de produtos pirotécnicos se encontrar intrinsecamente ligada às festividades religiosas, culturais e tradicionais na maioria dos Estados-membros da União Europeia, e a própria significância económica da indústria pirotécnica no Espaço Europeu, determinaram a harmonização das disposições em vigor, nos diversos Estados-membros, relativas à colocação no mercado de artigos de pirotecnia. [8]

[8Neste sentido, são de realçar a Diretiva n.º 2007/23/CE, de 23 de Maio, e a Directiva n.º 2013/29/UE, de 12 de Junho, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho – transpostas para a ordem jurídica interna, respectivamente, pelo Decreto-lei n.º 34/2010, de 15 de Abril, e pelo Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho (que revogou o seu antecessor e se mantém em vigor com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 91/2021, de 29 de Janeiro).

    Estas regras harmonizadas, além de garantirem “a livre circulação de artigos de pirotecnia no mercado interno”, vieram assegurar, simultaneamente, “os requisitos essenciais de segurança que os mesmos devem satisfazer tendo em vista a sua disponibilização no mercado, de forma a garantir um elevado nível de protecção da saúde humana e da segurança pública, a defesa e a segurança dos consumidores, e tendo em conta os aspectos relevantes relacionados com a protecção ambiental”. [9]

[9Este objectivo encontra-se previsto no art.º 1.º do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho. Será a este diploma legal que nos referiremos, doravante, sempre que um artigo venha desacompanhado de qualquer referência legislativa.

    Tendo em vista a concretização deste objectivo securitário, estabeleceu-se, nos art.ºs 35.º a 38.º, um regime sancionatório aplicável à violação de determinados comportamentos. Destacamos, desde logo, porque aplicável ao nosso caso prático, o art.º 35.º n.º 3, que prevê e estatui o seguinte:

Constitui contra-ordenação punível com uma coima entre 150 a 500 euros [10], tratando-se de pessoa singular, “a utilização de fogos-de-artifício da categoria F1 e F2 em violação das prescrições contidas nos respectivos rótulos ou em norma técnica que regulamente essa utilização, nomeadamente quanto ao local, utilização ou incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis”. 

[10] Nos termos do art.º 18.º al.ª a) i) do Decreto-lei n.º 9/2021, de 29 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE).

    Hodiernamente, para livre disponibilização de artigos de pirotecnia no mercado, os respectivos fabricantes devem, previamente, inter alia:

 Classificá-los “de acordo com o tipo de utilização, a finalidade e o nível de risco, incluindo o sonoro” (art.º 6.º); [11]

[11Considerando esta classificação, um petardo inclui-se na noção de “fogo-de-artifício”, tratando-se de um “artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento” [art.º 3.º al.ª j) do RJAM]. Na classificação prevista no art.º 6.º n.º 3 al.ª a), os petardos inserem- se nas categorias F2, F3 e F4. A categoria F1, pelo seu alcance, não os abrange [vide, Anexo I, Grupo A, n.º 1, al.ª a) iii)].

→ Assegurar que eles foram concebidos e fabricados em conformidade com os requisitos essenciais de segurança estabelecidos no anexo I, devendo, em caso de avaliação positiva, elaborar a declaração UE de conformidade (cfr. art.ºs 9.º n.ºs 1 a 3; 17.º e 18.º);

→ Apor-lhes uma “marcação CE”, indicadora da sua conformidade com os requisitos estabelecidos nas normas comunitárias. [art.ºs 3.º al.ª m); 9.º n.º 3, in fine; 19.º e 20.º];

→ Garantir que eles são rotulados “de modo visível, legível e indelével”, e com conteúdo claro, compreensível e inteligível, incluindo, nomeadamente (art.º 11.º n.ºs 1 e 2):

● Informação sobre o fabricante (e do importador, no caso de fabricante não estabelecido na UE);
● A designação, tipo e categoria do artigo de pirotecnia;
● Número de registo e o número do produto, do lote ou da série;
● O limite mínimo de idade para a sua disponibilização no mercado [no caso dos fogos de artifício, art.º 7.º n.º 1 al.ª a)];
● Instruções de utilização; e
● Distância mínima de segurança exigível na sua utilização. [12]

[12Relativamente aos “fogos-de-artifício”, não obstante esta informação dever constar nos respectivos rótulos, encontramos, no Anexo I, Grupo A, al.ªs a) i); b) i); e c) i), distâncias mínimas de segurança que devem ser cumpridas para as categorias F1, F2 e F3.

Fonte: Google Imagens
 

A – Punição da utilização

    No nosso caso prático, o João usou petardos com marcação CE e classificação F2. Embora um petardo de categoria F2 se destine a ser utilizado em áreas confinadas e apresente um risco baixo [art.º 6.º n.º 3 al.ª a) ii)], a sua utilização, nos termos do art.º 35.º n.º 3, sup. cit., deve obedecer às “prescrições contidas nos respectivos rótulos ou em norma técnica que regulamente essa utilização, nomeadamente quanto ao local, utilização ou incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis”.

    Mas que "norma técnica" é esta?

    Nos termos do art.º 39.º n.º 2, “a regulamentação da utilização dos artigos de pirotecnia previstos no presente decreto-lei é também da competência do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública” (DN/PSP).

    Neste âmbito, foi emitida, pelo Departamento de Armas e Explosivos da DN/PSP, a Norma Técnica n.º 3/2018 (em vigor desde o dia 9 de Junho de 2018), a qual veio estabelecer, na respectiva Secção II, “as regras a que deve obedecer a utilização de artigos de pirotecnia por consumidores em espaços públicos ou equiparados” (art.º 1.º, 1.ª parte).

    Sendo assim, nos termos do art.º 5.º dessa norma técnica:

→ Os fogos-de-artifício das categorias F1, F2 e F3 “só podem ser utilizados e manipulados individualmente pelos consumidores”, de acordo com as prescrições contidas nos respectivos rótulos, “tal como foram adquiridos e disponibilizados no mercado, sendo proibida a utilização combinada destes artigos através dos seus sistemas de iniciação” (n.º 1);

→ É proibida a utilização de artigos de pirotecnia por pessoas que apresentem uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,50 g/l, que se encontrem sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos de efeito análogo (n.ºs 2 e 3).

    E, nos termos do seu art.º 6:

→ É proibida a utilização de fogos-de-artifício das categorias F2 e F3, “salvo se autorizado pela autoridade policial do município, a menos de 50 metros de edifícios hospitalares ou similares, locais de culto religioso, de estabelecimentos de ensino públicos ou privados, durante o horário de funcionamento” (n.º 1);

→ As distâncias de segurança previstas nos rótulos dos fogos-de-artifício das categorias F1, F2 e F3 “devem ser também observadas relativamente a edifícios de habitação, a espaços públicos e equiparados onde se verifique grande aglomeração de pessoas ou veículos, centros históricos, monumentos, viadutos e túneis rodoviários” (n.º 2);

→ A utilização de fogos-de-artifício das categorias F1, F2 e F3 “está sujeita ao cumprimento do Regulamento Geral do Ruído, designadamente nas proximidades de edifícios de habitação, aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, entre as 23 e as 7 horas” (n.º 3);

→ É proibida a utilização de artigos de pirotecnia nas proximidades de substâncias susceptíveis de arder e, independentemente de tal, quando seja de prever a existência de risco de incêndio” (n.º 4).

→ O disposto anteriormente “é aplicável à utilização de artigos de pirotécnica em espaços privados, quando da sua utilização possam resultar projecções de resíduos que ultrapassem os limites desse espaço”. 

    Voltando ao nosso caso prático, com os parcos elementos factuais aduzidos, podemos afirmar que o João – ao proceder, num Sábado, ao rebentamento de petardos nas proximidades de edifícios de habitação, muito possivelmente com inobservância das distâncias de segurança em relação a eles –, incumpriu, pelo menos, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 6.º da norma técnica sup. cit.

    Consequentemente, o seu comportamento preencheu o tipo contraordenacional já referido, previsto no art.º 35.º n.º 3 e punido com uma coima entre 150 a 500 euros, nos termos do art.º 18.º al.ª a) i) do RJCE. 


    I – Questões complementares

    E se, nas mesmas circunstâncias, o João, em vez de rebentar petardos de categoria F2, rebentasse:

    a) Petardos de categoria F3?

 Neste caso, a sua conduta preencheria o tipo contraordenacional previsto no art.º 35.º n.º 2 al.ª a), sendo punida com uma coima entre 650 a 1500 euros, nos termos do art.º 18.º al.ª b) i) do RJCE.

    b) Petardos de categoria F4?

 Nos termos do art.º 6.º n.º 3 al.ª a) iv), os petardos (fogos-de-artifício) de categoria F4 apresentam um risco elevado e destinam-se a ser utilizados exclusivamente por pessoas com conhecimentos especializados. Por este motivo, e porque não se encontram excluídos da al.ª d) do n.º 1 do art.º 86.º do RJAM, a conduta do João subsumir-se-ia no tipo de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, p. e p. neste mesmo preceito legal.

Não obstante se encontrar concomitantemente preenchido o tipo contra-ordenacional do art.º 35.º n.º 2 al.ª a), o João seria punido apenas a título de crime, cfr. art.º 20.º (“concurso de infracções”) do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

    c) Petardos de fabrico artesanal?

 Os petardos de fabrico artesanal são artigos de pirotecnia, em geral muito instáveis, que não satisfazem os requisitos de segurança sup. cit. (v. g., marcação CE), constantes do Decreto-lei n.º 135/2015, de 28 de Julho.

Por integrarem a noção de “explosivo civil” contida no art.º 2.º n.º 5 al.ª l) do RJAM, e com a argumentação ínsita no nosso artigo "Polícia quer Criminalizar Petardos", a conduta do João preencheria o tipo de crime do art.º 86.º n.º 1 al.ª a) do RJAM.


B – Punição da posse

    Como vimos supra, no art.º 35.º n.ºs 2 al.ª a) e 3 pune-se a utilização de fogos-de-artifício “em violação das prescrições contidas nos respectivos rótulos ou em norma técnica que regulamente essa utilização, nomeadamente quanto ao local, utilização ou incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis”, pressupondo-se, contudo, a sua detenção lícita.

    Todavia, por razões de ordem ou segurança públicas, ou de protecção ambiental, a posse, utilização e venda de fogos-de-artifício das categorias F2 e F3 pode ser proibida ou restringida (cfr. art.º 5.º n.º 2).

    É o que sucede com os petardos de tais categorias, cujo efeito sonoro «de tiro», é “passível de causar alarme e intranquilidade social quando utilizados sem as devidas precauções, provocando alterações à ordem e tranquilidade pública” (cfr. preâmbulo da Portaria n.º 139/2017, de 17 de Abril).

    Esta Portaria estabeleceu, no art.º 3.º n.ºs 3 al.ª a) e 4, dois níveis de restrição, a saber:

a) Petardos de categoria F3

 A sua disponibilização no mercado é proibida.

b) Petardos de categoria F2

● A sua aquisição está dependente da apresentação prévia de autorização emitida “pela Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, mediante avaliação dos fins a que se destina”.

    No caso prático que temos vindo a acompanhar, se o João se encontrasse na posse (ilícita) de petardos de categorias F2 (aquisição não autorizada pela DN/PSP) e/ou F3, seria ainda punido [13com a contra-ordenação prevista no art.º 35.º n.º 2 al.ª c), punível com uma coima entre 650 a 1500 euros, nos termos do art.º 18.º al.ª b) i) do RJCE.

[13Em concurso de contra-ordenações, cfr. art.º 19.º n.ºs 1 a 3 do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

    No caso de se tratar de petardos de categoria F4 e de fabrico artesanal, a mera posse faria incorrer o João nos tipos de crime de “detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, previstos e punidos, respectivamente, pelas al.ªs d) e a) do n.º 1 do art.º 86.º do RJAM. [14]

[14] No caso de petardos de fabrico artesanal, pelos motivos referidos na secção anterior [A, I, c)], designadamente por integrarem a noção de “explosivo civil” contida no art.º 2.º n.º 5 al.ª l) do RJAM.


C – Punição da disponibilização no mercado

a) De petardos de categorias F2 (aquisição não autorizada pela DN/PSP) e F3

► Quer os distribuidores (dentro dos Estados-membros da UE) quer os importadores, antes de disponibilizarem ou colocarem um artigo de pirotecnia no mercado, devem, nos termos dos art.ºs 13.º n.º 2 al.ª e) e 14.º n.º 2 al.ª d), assegurar que a disponibilização ou colocação respeita as medidas restritivas da posse, utilização ou venda de artigos de pirotecnia, previstas na Portaria sup. cit.

A violação deste dever faz incorrer o distribuidor ou importador numa contra-ordenação prevista no art.º 35.º n.º 1 al.ª b), punida com uma coima entre 2000 e 7500 euros (no caso de pessoa singular), nos termos do art.º 18.º al.ª c) i) do RJCE.

b) De petardos de categoria F4 ou de fabrico artesanal

► Os distribuidores e os importadores que procederem à venda deste tipo de artigos pirotécnicos incorrem no tipo de crime de “tráfico e medicação de armas”, p. e p. no art.º 87.º n.º 1, do RJAM, por referência, respectivamente, às al.ªs d) e a) do n.º 1 do art.º 86.º, do mesmo diploma legal. [15]

[15] No caso de petardos de fabrico artesanal, pelos motivos referidos na secção anterior [A, I, c)], designadamente por integrarem a noção de “explosivo civil” contida no art.º 2.º n.º 5 al.ª l) do RJAM.


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2 comentários:

  1. Mais uma excelente análise! Obrigado pela generosidade da partilha.

    Trata-se realmente de uma “praga” que é usada, atualmente, com o único propósito de incomodar, perturbar e alarmar.

    Contudo, para se alcançar a pretensa “redução substancial do uso de petardos”, penso que é necessário que cada membro da sociedade cumpra a sua parte, quer denunciando infrações, quer fiscalizando e punindo (quem tenha competência para tal, claro!).

    Bem haja e boas festas!
    Cumpts.

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  2. Rui Santos, agradeço o seu comentário, com o qual concordo plenamente.

    Com os meus melhores cumprimentos,

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